5.31.2011

Entre Jerusalém e Antioquia: a carta aos gálatas.

O primeiro formato do cristianismo primitivo desenvolvia-se em torno de dois pólos: o primeiro pólo é Jerusalém e o segundo pólo é Antioquia.
A crise de Antioquia causa um impacto em Paulo que podemos comparar ao acontecimento de Damasco. Com a crise em Antioquia, Paulo decide deixar a comunidade. O que era mais natural é que Paulo fosse para Éfeso. Estranhamente Paulo decide ir mais para oriente, para a região do norte. E a carta aos gálatas, diz que foi o efeito de uma doença que fez Paulo parar na Galácia, onde teve um grande acolhimento por parte dos gálatas (Gl 4, 8-15). Depois de Antioquia, Paulo chega a esta admirável mundo novo, onde terá passado cerca de 1 ano a 1 ano e meio.

Na carta aos gálatas, Paulo vai abordar primeiramente a crise de Antioquia. Paulo começou por estar radicado na comunidade de Antioquia, possivelmente porque ele terá pensado que Antioquia era a sua plataforma de apoio.
Ora, Tiago defendia que um gentio tinha de se tornar judeu para depois se tornar cristão. Nós hoje não conseguíamos pensar o que seria do cristianismo se se mantivesse ligado ao judaísmo. Mas de certa forma é preciso uma iniciação ao judaísmo para entendermos o cristianismo. E a grande questão é sempre acerca do procedimento: como fazer? O conflito faz parte da construção da Igreja, nesta complementaridade de visões. O cristianismo não é nem de Jerusalém nem de Roma, mas entre Jerusalém e Roma. Para Paulo, o elemento fundamental para se ser cristão, era a fé em Jesus no baptismo: todos sois um só em Cristo. Para Tiago, não basta a fé e o baptismo, era necessário uma iniciação ao judaísmo, viessem os cristãos de onde viessem.
Em Antioquia, existia uma espécie de laboratório do cristianismo. E ao contrário de Jerusalém, em Antioquia existiam as comunidades mistas, e os pagãos não se tinham de circuncidar para ser cristãos. Então, Antioquia é o laboratório daquilo que Paulo vai construir pelo mundo fora. Antioquia é a Jerusalém do cristianismo primitivo. Não é por acaso que foi em Antioquia que pela primeira vez os cristãos receberam o nome de cristãos.
Até Pedro apareceu na comunidade de Antioquia (Gl 2, 11). Porque é que isto aconteceu? Por ventura por curiosidade. No entanto, quando chegam os judaizantes, Pedro recua no diálogo com os gentios e afasta-se dos gentios para estar com os judeus, e este facto leva a que Paulo chame Pedro atenção: «Se tu, sendo judeu, vives segundo os costumes gentios e não judaicos, como te atreves a forçar os gentios a viver como judeus?» Paulo era um defensor da assimilação, mas outros defendiam a diferenciação. Qual o caminho a seguir? O acontecimento de Damasco é de tal forma marcante para Paulo que não vive de concessões. Paulo via o futuro do cristianismo completamente fora de Jerusalém. Paulo, no fundamental, é radical.
Que terá acontecido nesta crise de Antioquia? Talvez alguns gentios se tenham judaizado, e outros tenham rejeitado os judeus, sentindo-se rejeitados por eles.
Os Actos dos Apóstolos nunca dizem que Paulo é apóstolo, mas que é um delegado dos apóstolos. Então quando sai em ruptura com Pedro, qual é o lugar de Paulo? Quem lhe confere a missão se Paulo está sozinho? É nesse sentido que é bom vermos o início da carta aos gálatas: «Paulo, apóstolo - não da parte dos homens, nem por meio de homem algum, mas por meio de Jesus Cristo e de Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos» (Gl 1, 1). Paulo em Antioquia já era original, mas mesmo agora, só ele segue a opção de fazer valer o seu vinculo a Jesus. Paulo passa a fazer valer a sua própria acção. Os resultados da acção de Paulo são infinitamente maiores do que as possibilidades humanas da sua acção.

A comissão da Igreja de Antioquia chega, por fim, à Galácia e traz duas questões de fundo: mostrar que Paulo actua separado, desligado da comunhão com os apóstolos, não se podendo dar a autoridade a Paulo que se dá à Igreja-mãe de Jerusalém; e depois, a comissão pretende completar, mas verdadeiramente corrigir a evangelização de Paulo. Paulo evangeliza a partir de Cristo, mas a comissão de certa forma pretende começar pelo Antigo Testamento, começando com Abraão. A comissão confirmava que Jesus era o Messias, mas Jesus tinha inaugurado uma nova era, prometida a Abraão.
No entanto, a comunidade terá exigido ouvir Paulo. E então, há que entender a carta aos gálatas como uma resposta que em certa medida é dada mais aos antioquenos que estão a perturbar os gálatas, do que propriamente aos gálatas. Portanto, esta carta é uma carta de auto-defesa em que Paulo responde às questões levantadas pela comissão na comunidade dos gálatas: a desautorização de Paulo à igreja de Jerusalém e o retorno à lei judaica.
O que é um cristão? No fundo, as cartas de Paulo são um discurso sobre a identidade cristã. Paulo é aquele que leva mais longe o tema da identidade cristã. Para Paulo, o cristianismo tem de soltar a sua amarra judaica. Ora, não é um cristianismo contra o judaísmo, mas é dar espaço para que o cristianismo seja o que ele é. Há umas teses que dizem que Paulo é o inventor do cristianismo. Em Gl 2, 15-21, Paulo exige um novo espaço para a identidade cristã.

17 de Maio de 2011

Saudação Inicial

Rm

· “...graças e paz a vós, da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo!”

1Cor

· “...graças e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Dou incessantemente graças ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi concebida em Cristo Jesus.”

2Cor

· “...a vós, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das Misericórdias e o Deus de toda a consolação!”

Gl

· “...Graças e paz a vós, da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo,...”

Ef

· “...a vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.”

Fl

· “... a vós a graça e a paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.”

Cl

· ”...a vós graça e paz da parte de Deus, nosso Pai. Damos graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, nas orações que continuamente fazemos por vós, desde que ouvimos falar da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos, por causa da esperança que vos está reservada nos Céus.”

1Ts

· “A vós, graça e paz. Damos continuamente graças a Deus por todos vós, recordando-vos sem cessar nas nossas orações; a vosso respeito, guardamos na memória a actividade da fé, o esforço da caridade e a constância da esperança, que vêm de Nosso Senhor Jesus Cristo, diante de Deus e nosso Pai, conhecendo bem, irmãos amados de Deus, a vossa eleição, pois o nosso Evangelho não se apresentou a vós apenas como uma simples palavra, mas também com poder e com muito êxito pela acção do Espírito Santo...”

2Ts

· “Graça e paz a vós da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. Devemos dar continuamente graças a Deus por vós, irmão, como é justo, pois que a vossa fé cresce extraordinariamente e a caridade recíproca superabunda em cada um e em todos vós,...”

1Tm

· ” ...graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor.”

2Tm

· ”...graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. Dou graças a Deus, a quem sirvo em consciência pura, como já fizeram os meus antepassados, ao recordar-te constantemente nas minhas orações, noite e dia.”

Tt

· ”...a graça e a paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Salvador.”

Flm

· ”...a vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo! Dou graças ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas minhas orações, por ouvir falar do teu amor e da tua fé: fé no Senhor Jesus e amor para com todos os santos ”

Destinatários

Rm

  • · “…a todos os que estão em Roma, amados de Deus, chamados a ser santos.”.

1Cor

  • · “…à Igreja de Deus, que está em Corinto, aos santificados em Jesus Cristo, chamados a ser santos, com todos os que, em qualquer lugar, invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, seu Senhor e Nosso.”

2Cor

  • · “…à Igreja de Deus que está em Corinto e a todos os santos que há por toda a Acaia”.

Gl

  • · “…às Igrejas da Galácia”.

Ef

  • · “…aos santos que estão em Éfeso e aos fiéis em Cristo Jesus”.

Fl

  • · “…a todos os santos em Cristo Jesus, que estão em Filipos, e aos bispos e diáconos.”

Cl

  • · “…aos santos e fiéis irmãos em Cristo, que estão em Colossos.”

1Ts

  • · “… à Igreja dos Tessalonicenses, que está em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo.”

2Ts

  • · “…à Igreja dos Tessalonicenses, reunida em Deus nosso Pai e no Senhor Jesus Cristo.”

1Tm

  • · “…a Timóteo, amado filho na fé.”

2Tm

  • · “…a Timóteo, caríssimo filho.”

Tt

  • · “…a Tito, meu verdadeiro filho pela fé que nos é comum.”

Flm

  • “…ao amado Filémon, nosso colaborador, e a Ápia, nossa irmã, e a Arquipo, nosso companheiro de armas, e à Igreja que se reúne em tua casa”.

Remetente nas cartas de Paulo

Rm

· 1Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado a ser Apóstolo, escolhido para anunciar o Evangelho de Deus, 2que Ele de antemão prometera por meio dos seus profetas, nas santas Escrituras, 3acerca do seu Filho…”

1Cor

· 1Paulo, chamado por vontade de Deus a ser apóstolo de Cristo Jesus, e Sóstenes, nosso irmão…”

2Cor

· 1Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, e o irmão Timóteo…”

Gl

· 1Paulo, apóstolo - não da parte dos homens, nem por meio de homem algum, mas por meio de Jesus Cristo e de Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos - 2e todos os irmãos que estão comigo…”

Ef

· 1Paulo, Apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus…”

Fl

· 1Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus…”

Cl

· 1Paulo, Apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, e o irmão Timóteo…”

1Ts

· 1Paulo, Silvano e Timóteo…”

2Ts

· 1Paulo, Silvano e Timóteo…”

1Tm

· 1Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por mandato de Deus, nosso Salvador, e de Cristo Jesus…”

2Tm

· 1Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, por desígnio de Deus, segundo a promessa de vida que há em Cristo Jesus…”

Tt

· 1Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, em ordem à fé dos eleitos de Deus e ao conhecimento da verdade, que conduz à piedade, 2na esperança da vida eterna, prometida desde os tempos antigos pelo Deus que não mente 3e que, no devido tempo, manifestou a sua palavra, pela pregação que me foi confiada por mandato de Deus, nosso Salvador…”

Flm

· 1Paulo, prisioneiro por causa de Cristo Jesus, e o irmão Timóteo…”

5.30.2011

A Ressurreição e Paulo

Bastantes anos antes da conclusão do processo de escrita dos evangelhos, Paulo escreve à comunidade de Corinto, defendendo, entre outras coisas, a possibilidade e a realidade da ressurreição corporal, cf. 1Cor 15,12-20. Nesta argumentação, a ressurreição de Cristo não é vista como um privilégio especial concedido a este, o que aliás teria sido perfeitamente possível. Pelo contrário, a de Cristo é olhada como um caso particular da própria possibilidade de ressurreição dos mortos em geral.

Para Paulo, o fim do mundo já tinha começado. A lógica é a seguinte: como fariseu, acreditava na ressurreição no fim dos tempos; portanto, se Jesus ressuscitou, o processo de ressurreição no fim dos tempos já estava em marcha. Apenas a misericórdia de Deus impedia a consumação final. Transpondo para imagens, o Titanic já bateu no iceberg, e Paulo tenta despertar os passageiros, enquanto Deus lhe dá tempo para tal.

Na teologia paulina, portanto, a ressurreição é a única forma de expressar a fé em Jesus Cristo e na sua contínua presença no meio daqueles que nele crêem. No entanto, ela [a ressurreição de Jesus] está também intimamente ligada à ressurreição geral no fim dos tempos. Assim, se o fim não está iminente (como de facto não estava), continuará a ser a ressurreição a única ou a melhor categoria teológica para exprimir esta fé?

5.25.2011

Os 3 tipos de retórica: a carta aos Colossenses.

Hoje, nos estudos paulinos valoriza-se muito a carta no seu conjunto. Ora, é importante valorizar a carta como acontecimento de evangelização. As cartas de Paulo não são cartas pessoais, mas dissertações sobre temas, e até há tomadas de posição. Nas cartas de Paulo, temos elementos da retórica e da oratória. Segundo Aristóteles, há 3 tipos de retórica:
- uma retórica expositiva: aquela que tem a ver com o louvor ou com a crítica.
- uma retórica deliberativa: tem a ver com a exortação ou com a dissuasão.
- uma retórica forense: tem a ver com a acusação ou com a defesa.
Nas cartas de Paulo percebemos que há momentos da retórica expositiva, quando Paulo dá graças. Noutros momentos quando Paulo exorta temos uma retórica deliberativa, e ainda noutros, há uma retórica forense quando Paulo acusa. No entanto, nas cartas de Paulo há uma predominância deliberativa, mas também há espaço para uma retórica forense e expositiva.

A retórica deliberativa pretende adoptar uma determinada acção: ou procura persuadir ou dissuadir. Em relação a este tipo de discurso, as pessoas da audiência é que tem o papel de decisão: elas decidem se ficam dissuadidas ou não. E em relação ao tempo desta retórica, vemos o tempo futuro: aquilo que temos de fazer a seguir. Portanto, as cartas de Paulo nesta retórica pretendem que a comunidade no futuro faça alguma coisa.
Com a retórica forense, o objectivo é assegurar que se faz justiça. E a audiência também tem um papel de decisão pois ela é que decide se a pessoa é culpada ou não. O tempo presente nesta retórica é do passado, pois tem a ver com factos passados: “julguem por aquilo que fiz”.
A retórica expositiva procura louvar ou culpabilizar os valores já conhecidos. A audiência nesta retórica é observadora, pois não tem de tomar decisão, dado que ou é objecto de louvor ou de culpabilização. E o tempo usado é o presente: é agora que eu elogio ou culpo.

3 de Maio de 2011

5.21.2011

Estrutura da Carta aos Gálatas

Como aluno da escola rabínica, Paulo dominava com grande facilidade o instrumento teológico-científico do judaísmo contemporâneo, sendo sem dúvida alguma o interlocutor e o polemista ideal para combater os “judaizantes” exactamente com armas e os argumentos dialécticos que estes procuravam usar contra ele.
Paulo é um escritor da sua época e do seu contexto próprio. Por isso, as suas cartas, mais precisamente Epístola aos Gálatas na qual estamos a tratar, seguem as seguintes estruturas:


a) Proescriptum inicial (1, 1-5)
b) Exordium ou Proemio (1, 6-10)
c) Narratio ou Propositio (1, 11)
d) Probatio (1, 12-6, 1-10)
e) Peroratio (6, 11-18)
f) Postscriptum final (6,16-18)

5.20.2011

Os cinco critérios de Arbiol.

Para melhor entendermos a comunidade de Coríntio, Arbiol propõe cinco critérios, olhando para primeira carta de São Paulo aos Coríntios (1 Cor 11-14): a visibilidade; o controlo; as fronteiras; as funções/carismas; o género.
  • 1º Critério: a visibilidade. É a possibilidade ou não de serem olhados como estranhos. Apesar da ideia que nós temos da comunidade ser fechada, por incrível que pareça a comunidade admitia estranhos nas assembleias. Mas é preciso ver quem são eles? A visibilidade por um lado é dos estranhos que tem acesso à comunidade, isto porque Paulo pensou numa comunidade aberta no princípio.

Por conseguinte, o dom das línguas é um sinal, não para os crentes, mas para os incrédulos; já a profecia não é para os descrentes, mas para os crentes. Se toda a assembleia estivesse reunida e todos começassem a falar em línguas, os simples ouvintes ou descrentes que entrassem, não diriam que estáveis loucos?

(1 Cor 14, 22-23)

  • 2º Critério: o controlo. Ora, quem controla a comunidade? Que modelos de controlo vemos na primeira carta aos Coríntios? Paulo oscila na primeira carta aos Coríntios entre o colectivo e o individual. Para Paulo o importante é a conjugação destes dois níveis. Ele apenas viu a comunidade no colectivo.

Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós.

(1 Cor 3, 16-17)

  • 3º Critério: as fronteiras. Conseguimos encontrar duas espacialidades, pois de um lado encontramos casas, mas há uma realidade maior que se sobrepõe à própria ideia de casa que é a Igreja de Deus. Eles podiam reunir-se numa casa e o alimento, naturalmente, seria tutelado pelo tutelar daquela casa, mas se assim fosse, não se entenderia como é que cada um deles levava algo seu para partilhar. Assim sendo, era mais normal que eles alugassem uma casa e então cada um levava o alimento para partilhar. Não pode haver fronteiras para Paulo, a comunidade é um espaço transfronteiriço e por isso a comunidade tem a necessidade de encontrar um outro espaço físico.

Quando, pois, vos reunis, não é a ceia do Senhor que comeis, pois cada um se apressa a tomar a sua própria ceia; e enquanto um passa fome, outro fica embriagado. Porventura não tendes casas para comer e beber? Ou desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm? Que vos direi? Hei-de louvar-vos? Nisto, não vos louvo.

(1 Cor 11, 20-22)

  • 4º Critério: as funções/carismas. Este critério é fundamental nestes capítulos 11-14 da primeira carta aos Coríntios. Quando lemos a Lumen Gentium vemos que está cheia de metáforas de Paulo. As funções na Igreja articulam-se mutuamente ao serviço uma das outras tal como acontece no corpo. Paulo demonstra isto mesmo quando fala da ecclesia da forma como politicamente se falava do estádio. Noutro lado, falando dos dons e carismas (presente no capitulo 12), Paulo valoriza o carisma da profecia. Os cristãos são chamados a receber de Deus uma nova palavra e nesse sentido a valorização que Paulo faz da profecia, é uma valorização da comunidade cristã.

Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; 6há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.

(1 Cor 12, 4-6)

  • 5º Critério: o género. Importa ter presente uma contextualização histórica desta primeira carta aos Coríntios: Paulo escreve à comunidade porque recebeu uma informação daquilo que lá se passava, mas também porque Paulo é convocado pela comunidade para responder a questões problemáticas (1 Cor 11, 2-16). Podemos supor que as mulheres (ou só algumas) recusam cobrir a cabeça com o véu enquanto rezam em comunidade. Ora, Paulo não pretende fazer uma doutrina sobre o estatuto da mulher. Nesta argumentação, Paulo apenas procura intervir em questões temporais. De certa forma, a recusa do véu dá-lhes um protagonismo maior. Pois, o culto era um espaço para a mulher, mas sempre muito controlado.
    Na sinagoga, a mulher podia assistir ao rito sinagogal mas sem qualquer intervenção. É natural que sendo o cristianismo uma sociedade mista e igualitária, é natural que existissem dificuldades que não se sabiam enfrentar. Paulo tenta simplesmente ler a realidade de fundo que é uma realidade que tenta transcender o particularismo, pois procura-se combater o particularismo para lutar pela universalidade.
    28Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. (Gl 3, 28)
    O papel da mulher no interior da comunidade paulina é inédito, estando em ruptura com a sociedade. Voltando a 1 Cor 11, 2-16, vemos que a primeira palavra de Paulo é muito positiva, porque a comunidade mantém a tradição. Depois, no versículo 3 temos a tese: «quero que saibais que a cabeça de todo o homem é Cristo, a cabeça da mulher é o homem, e a cabeça de Cristo é Deus.» Temos de saber o que significa «cabeça»? A cabeça é a origem. A cabeça mantém relações recíprocas com o corpo. Seguidamente, dos versículos 4 a 16, temos a argumentação de Paulo. Então, em relação às reacções identitárias, Paulo diz o que é próprio do homem e o que é próprio da mulher. Paulo faz uma exegese de Gn 2: quando se refere à mulher como tirada do homem, lembrando a subordinação da mulher ao homem. Paulo em 1 Cor 11, 10-12 faz um correctivo à comunidade. No versículo 11 vemos a pessoa de Paulo, pois não deixa de dizer o mandamento igualitário: não há homem sem mulher, nem mulher sem homem em Cristo. Paulo nunca deixa de repetir este mandato igualitário. E por fim, Paulo adopta um critério de natureza (1 Cor 11, 13-16): Paulo mantém sempre o argumento teológico, procurando vencer sempre os particularismos. O importante para Paulo é que somos todos iguais em Cristo, depois é que vem o que é secundário, como é o caso do véu. Então, sendo o véu um particularismo, Paulo deixa esta questão para nosso julgamento.

28 de Abril de 2011

5.19.2011

A produção literária de São Paulo.

Um momento essencial da nossa história, foi quando o cristianismo se tornou um momento de produção literária. Por um lado temos a conservação da memória, por outro a expansão. Mas a escrita é um momento de auto-consciência, pois ao escrever, a Igreja escreve-se. A Igreja ao escrever os evangelhos está a escrever-se, está a contar-se. Quando Paulo escreve as cartas, ele está a resumir o acontecimento cristão, mas ao mesmo tempo a contar-se. Nós temos acesso a Jesus através da fé da Igreja. A produção literária é um acesso a Jesus.
Este momento de produção literária é muito importante também como momento de autocompreensão da Igreja. As cartas de Paulo fazem sentir Paulo na primeira pessoa. Este Paulo viajante é um Paulo cada vez mais seguro e cada vez mais certeiro naquilo que diz e na forma como diz. No texto bíblico, não podemos isolar a forma do fundo, de modo que é aceitando a palavra que podemos chegar à verdade que ela significa. Poucos acreditam no poder da palavra, e Paulo é uma dessas pessoas que acredita.
Paulo, na carta aos coríntios, lembra que vem falar de uma sabedoria que é escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Para que a Palavra se torne experiência de espírito, ela tem de ser uma palavra dominada, pensada, de modo a ir certeiro ao pensamento do leitor. Que procedimentos Paulo utiliza para tirar de um modo tão evidente a eficácia das palavras?
Para escrever uma carta precisamos de papel, caneta (cálamo) e tinta. A palavra papel vem de papiro. E o papiro foi a forma mais comum que Paulo poderia ter usado nas suas cartas. Temos diversas descrições da produção de papiro. Em 200 d.C. descobriu-se um papiro chamado Papiro46, dobradas ao meio, quase como as nossas folhas A5. Este papiro contém todas as cartas de Paulo, à excepção das cartas a Tito e a Timóteo. Depois temos ainda o pergaminho.

A maior parte dos escritores da antiguidade tinham um secretário. Então surge-nos a questão: Paulo tinha um secretário ou o próprio Paulo é que escrevia as mesmas cartas? Na carta aos Romanos (Rm 16, 22), foi Paulo que escreveu ou Tércio? Este Tércio era um secretário de Paulo. Mas era um secretário amigo, pois senão não fazia a sua intromissão na carta. Ora, se em Rm 16, 22 nós temos de forma implícita, noutras cartas temos de forma explícita: Gl 6, 11 temos um sinal de que Paulo assinava as cartas, tal como em 1 Cor 16, 21.
Qual era o papel do secretário? É um redactor que toma por escrito o que alguém está a ditar. Quintiliano fala da dificuldade do secretário em escrever tudo o que se dita. Logo, havia um desenho mental daquilo que se pretendia escrever, e em Paulo há uma espécie de premeditação daquilo que ele vai dizer. Há um certo toldo das cartas de Paulo que tem a ver com o modo como elas foram redigidas. O secretário era um redactor, mas tinha outras actividades:
- A actividade de copista. E isto é importante para a elaboração do cânone.
- Havia também o trabalho de recolha de elementos. Há material de vária ordem que não pertencem a Paulo e que é utilizado nas suas cartas: 1Cor 11, 23-25, o que acontece a propósito da eucaristia, acontece a propósito dos hinos litúrgicos (Fl 2, 6-11; Ef 5, 14). Mas encontramos também fórmulas do credo: 1Cor 15, 3-5, isto é um credo da Igreja primitiva e não um credo tipicamente Paulino, tal como em Rm 1, 3-4. Paulo nas cartas aos Coríntios fala em cinco cartas, portanto pressupõem-se outras três. Então a produção de Paulo era maior que a escrita que temos no cânone.
- O secretário podia ser um editor: que corrige o texto, recomenda, etc. E muitas vezes é o secretário que tinha a palavra de edição. Às vezes surgem repetições nas cartas, será que Paulo tinha reparado que já tinha falado naquilo?
- A actividade de autor. O secretário poderia ser o autor das cartas, escrevendo em nome dele, como acontecia com Cícero, quando pedia ao secretario que escrevesse cartas em nome do autor.

Outra questão que se põe acerca das cartas de Paulo e já não tem a ver com o secretario, é a questão da co-autoria, pois há cartas que são colectivas. Lembramos a 1 Ts: será que a carta é de Paulo? Então qual é o papel dos outros (Silvano e Timóteo) que vem anunciados na carta? Porque é que Paulo quis ligar outras personagens às suas cartas? Por benevolência ou porque essas pessoas tem um papel importante na carta?
Nós não temos dúvidas que por detrás das cartas há um cérebro. Portanto, Paulo é o seu autor, pois ele é a figura central, mas ao mesmo tempo procura-se valorizar a presença destas personagens. Ou seja, não é apenas por favor que eles aparecem e o facto de eles aparecerem obriga a colocar um papel importante nestas personagens. Não podemos retirar importância aos co-autores, seja qual for o papel que eles têm. Será que Paulo não terá ouvido a opinião destes co-autores quando redigiu as cartas?

Por fim, resta-nos perguntar: quem envia as cartas? O imperador Augusto criou um serviço de estafetas e eles paravam em cada cidade num positus. É possível que Paulo tenha utilizado um correio privado, e possivelmente as suas cartas eram enviadas por outros cristãos. Havia então uma rede humana e cristã que fazia circular as cartas de Paulo. Isto mostra como o cristianismo era um exercício de confiança, de vontade.

26 de Abril de 2011

5.18.2011

Questões em debate sobre São Paulo.

Ao estudarmos as cartas de São Paulo, é importante termos a percepção de que não estamos a fazer um trabalho isolado. O que não falta são debates em torno de Paulo no século XX. Já em 2 Pe 3, 15-16 vemos que já há uma referência às cartas de Paulo. Mas se quiséssemos sintetizar o que é o debate moderno em torno de Paulo, vemos coisas contrastadas. Deissmann (1909) considera que Paulo é o representante de uma teologia pouco sistemática, de uma teologia ocasional e espontânea. Baur diz que Paulo fermentou a sua teologia num ambiente pagão sendo o autor de um cristianismo filosófico, muito bem sistemática. Estes dois extremos em relação a Paulo são bastante frequentes.
Durante séculos vigora uma tese clássica acerca de Paulo. Esta tese procura no meio da diversidade encontrar pontos firmes na abordagem de Paulo. Um dos pontos firmes é a justificação. Paulo vem anunciar uma salvação pela graça; uma salvação que é fruto da oferta livre de Deus. Não podemos ter dúvidas que o marco da originalidade de Paulo é o afastamento da Lei e o marco da salvação que nos vem de Deus pela graça. Mesmo em debates contemporâneos este ponto está sempre salvaguardado.
No debate que aconteceu entre dois gigantes da teologia moderna: Bultmann e Käsemann, ambos concordavam que o núcleo do pensamento de Paulo era a justificação pela fé. Por outro lado, Bultmann considerava que a categoria de Justiça era uma categoria relacional em Paulo. Não tem a ver com a abolição do pecado ou pelo facto de eu ser justo, mas com a capacidade de Deus relacionar-se connosco. A justiça em São Paulo não é uma qualidade ética ou moral, mas relacional, e esta possibilidade da relação só Deus me dá. Käsemann diz que esta reflexão tão lata de Bultmann quase que faz esquecer o papel do indivíduo.
Mas até aqui a teologia de Paulo era vista como uma herdeira da apocalíptica. A par de Bultmann e Käsemann havia autores como Stendahal, que vem dizer que quando se fala de justificação pela fé, Paulo só pensa na estratégia de incluir na comunidade crente os cristãos vindos do paganismo. Então, o pensamento de Paulo é estratégico.
Em 1977, surge Sanders e este é um ano marcante para os estudos paulinos. Até 77 temos a perspectiva clássica; após 77 temos a nova perspectiva. Todos achavam que havia um centro em Paulo que é a justificação pela fé. Agora surge uma nova perspectiva, o que é que Sanders disse para a mudança? Sanders organiza o pensamento judaico acerca da Lei em dois momentos: momento do ingresso e o da permanência. E em vez de falar da Lei, Sanders fala em nomismo da Aliança, porque há a entrada numa Aliança, mais do que uma Lei. O momento do ingresso lembra que ninguém entra na Aliança por mérito próprio mas porque Deus o chama a entrar nela. O momento da permanência, este sim depende do mérito próprio. Quando olhamos para as cartas paulinas pensamos: o que é que ele está a combater? Mas Sanders diz que o judaísmo não é o triunfo da Lei, mas o judaísmo do nomismo da Aliança. A questão aqui presente é: que judaísmo temos diante dos nossos olhos? Sanders procura entender Paulo como alguém que substitui o nomismo da Aliança pelo nomismo cristológico pois, é Cristo que nos permite entrar na Aliança. Há um apelo muito forte à permanência, nas cartas de Paulo e o que muda é a porta de ingresso que passa a ser Cristo.

Tem sido feitos esforços para encontrar aquilo que pensamos ser uma metodologia, mesmo 2000 anos depois, ainda nos faltam chaves para entendermos Paulo. Ainda hoje estamos à procura, mas mesmo assim, conseguimos encontrar três tendências:
- Dunn diz que a teologia de Paulo passa por fazer um levantamento das suas marcas de identidade. Isto tem a ver com o contexto da construção das comunidades. Assim, a teologia de Paulo é fundamentalmente uma eclesiologia. Neste sentido, a teologia de Paulo permanece com uma tendência escatológica e apocalíptica.
- Esler defende que Paulo não pretende fazer uma reflexão teológica académica mas que ele quer encontrar ferramentas que possam ajudar a funcionar as suas comunidades. Assim, é preciso perceber a situação retórica da comunicação que cada texto representa. Os textos de Paulo são textos usados para convencer as suas comunidades de determinados aspectos. Assim, torna-se importante para Esler entender a dimensão sociológica das suas comunidades. Aristóteles diz que há 3 momentos na retórica: o ethos (o carácter do orador); o pathos (o efeito que o orador desperta no auditório) e o logos (o discurso propriamente dito). Os críticos desta tese acusam-na de ser redutora, sendo demasiado soteriológica.
- Jean-Nöel Aletti procura organizar cada uma das cartas no seu modelo retórico, mas o trabalho não acaba aqui. Diz que hoje uma tendência da exegese contemporânea é ela tornar-se predominantemente académica. Esta observação é interessante porque é uma realidade dos dias de hoje: raramente alguém escreve teologia fora do meio académico. É difícil alguém ser especialista de Paulo, onde apenas se pode ser especialista de um aspecto de Paulo. Então é difícil haver uma visão de conjunto de Paulo e até as próprias sínteses são mal vistas. Hoje o tipo de abordagem de Paulo é menos confessional, onde Jean-Nöel procurou afirmar que antigamente os pensamentos variavam entre católicos, protestantes e calvinistas.

19 de Abril de 2011

5.09.2011

O Ethos, Pathos e o Logos na Carta a Filémon

Na carta a Filémon, os versículos de 11 a 18 são o momento mais importante do discurso, é o momento de argumentar e persuasão, é onde se demonstra a força do orador e onde dá as razões válidas da sua posição.

Por isso nestes versículos vou identificar, como afrmava Aristoteles, os três momentos fortes do discurso, que são o Ethos, é aquilo que permanece, ou seja, o carácter do orador, o Pathos, é o efeito que o orador faz na comunidade, aquilo que desperta no auditório e o Logos, é o discurso.

Ethos: “que outrora te era inútil, mas agora é, para ti e para mim, bem útil. É ele que eu te envio: ele, isto é, o meu próprio coração” (Flm 1,11-12).

Pathos: Eu bem desejava mantê-lo junto de mim, para, em vez de ti, se colocar ao meu serviço nas prisões que sofro por causa do evangelho. Porém, nada quero fazer sem o teu consentimento, para que o bem que fazes não seja por obrigação, mas de livre vontade (Flm 1,13-14).

Logos: É que, afinal, talvez tenha sido por isto que ele foi afastado por breve tempo: para que o recebas para sempre, não já como escravo, mas muito mais do que um escravo: como irmão querido; isto especialmente para mim, quanto mais para ti, que com ele estás relacionado tanto humanamente como no Senhor. Se, pois, me consideras em comunhão contigo, recebe-o como a mim próprio. E se ele te causou algum prejuízo ou alguma coisa te deve, põe isso na minha conta (Flm 1,15-18).

O Esquema Retórico na Carta a Filémon

ESQUEMA RETÓRICO DUMA CARTA SEGUNDO ARISTÓTELES:

Praescriptum: como começa a carta.

1. Exordium; a) Refrear a autopromoção do autor, b) criticar os opositores, c) louvar a audiência, mas sem exagerar, d) sublinhar o conteúdo de forma atractiva, aquilo que interessa à audiência.

2. Narratio, se o auditório é conhecido e o tema é conhecido não é preciso alongar-se nesta fase… contudo se o auditório é desconhecido tem que se prolongar nesta fase.

3. Digressio; é um entre parêntesis, para prender a audiência.

4. Propositio, é o que o autor quer dizer, o que quer defender, é a sua tese

5. Probatio, momento importante do discurso, é o momento de argumentar e persuasão dando razões validas da sua posição (ethos), reacção do auditório (pathos) e a palavra proclamada (logos).

6. Peroratio, a conclusão da dissertação.

Postscriptum: despedida


ESQUEMA RETÓRICO NA CARTA A FILÉMON

A carta começa com um præscriptum, dos vers. 1-3. Desde o princípio da carta que Paulo menciona a palavra servo o que oferece logo o mote da situação. Esta é uma das poucas cartas em que Paulo não se apresenta como “servo” ou “apóstolo”. Paulo vai usar dois adjectivos que muito caracterizam Filémon: o “amado” e o “colaborador”. Desde logo Paulo fala do amor, o que contribui para captar a benevolência de Filémon.

Depois disto, temos o exordium, vers. 4-9. Reparamos que existe uma série de repetições de palavras que oferecem um sentido muito significativo. Temos a palavra “amor”, “entranhas”. Mas são as palavras “Jesus” e “Cristo” que são as mais frequentes, pelo que se pode concluir que este se trata de um exordium cristológico. No vers. 9, encontramos novamente Paulo que se adjectiva como prisioneiro e “velho”.

Posto isto, temos a propositio, no vers. 10 encontramos Paulo que pede a Filémon por Onésimo, não como escravo ou um simples servo, mas como “filho”; e um filho que foi gerado em circunstâncias dramáticas. Mais ainda, encontramos nesta carta o uso do elemento surpresa. De facto, no vers. 10, vemos que o nome de Onésimo apenas aparece no fim da frase. Consiste numa técnica que visa fazer o efeito surpresa; se ele aparecesse antes, Filémon já não tomaria mais atenção à forma como Paulo trata Onésimo.

Entre os vers. 11-18 deparamo-nos com a probatio, mas que se encontra penetrada pela narratio. Aqui encontramos a descrição de que Onésimo serve a Paulo na prisão, uma prisão que sofre por causa de Cristo. Mas mais do que esta narratio, é a probatio que é mais importante, as afirmações que Paulo usa para convencer Filémon, está presente no vers. 11, onde encontramos a afirmação de que Onésimo, escravo fugido, se tornara útil para Filémon. Nos vers.15-16 encontramos um argumento teológico, talvez o mais importante. Aqui encontramos a referência a um passivo divino, como se conhece em grego bíblico. De facto, encontramos a referência a que Onésimo foi separado, mas não se diz por quem. Claro que foi por causa de Cristo. Outro argumento, é a fraternidade de Onésimo para com Filémon, agora inserido em Cristo. E prossegue dizendo que este foi afastado por um pouco, para agora ser devolvido para sempre, como irmão.

Finalmente, nos vers. 19-20, encontramos a peroratio, é oportunidade para Paulo apresentar um último argumento. Não apenas menciona claramente a sua influência, o seu punho na circunstância actual, mas também encontramos reiterado o termo “irmão”, usado com Filémon, mas também com Onésimo.

Finalmente, temos o postscriptum, nos vers. 21-25. Aqui encontramos uma última técnica usada por Paulo. Ele declara ter esperança de voltar a encontrar Filémon “em breve”, juntamente com saudações comunitárias, que permitem reforçar o carácter persuasivo. Esta esperança de reencontrar Filémon, deve persuadi-lo a cumprir o que Paulo lhe prescreve sobre Onésimo.

Divisão e Conteúdo da Carta a Filémon

Endereço: v.1-7;

1) Remetente: Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão Timóteo…» (Flm1, 1)

2) Destinatários: «a Filemon nosso muito amado colaborador, à nossa irmã Ápia, ao nosso irmão de armas Arquipo, e à Igreja que se reúne na tua casa.» (Flm 1, 1 – 2).

3) Saudação inicial: «Graça e paz a vós, da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.» (Flm 1, 3).

4) Acção de graças: «Dou graças ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas minhas orações, por ouvir falar do teu amor e da tua fé: fé no Senhor Jesus e amor para com todos os santos. Que a tua comunhão de fé se torne eficaz, no reconhecimento de tudo aquilo que entre nós é considerado bom em relação a Cristo. De facto, foi grande a alegria e a consolação que tive com o teu amor, porque os corações dos santos foram reconfortados por meio de ti, irmão» (Flm 1,4-7).

Corpo da Carta: v.8-22;

1. Dissertação Expositiva: Está relacionada com o louvor ou a crítica.

«Peço-te pelo meu filho, que gerei na prisão: Onésimo, que outrora te era inútil, mas agora é, para ti e para mim, bem útil. É ele que eu te envio: ele, isto é, o meu próprio coração. Eu bem desejava mantê-lo junto de mim, para, em vez de ti, se colocar ao meu serviço nas prisões que sofro por causa do evangelho.» (Flm 1,10-13)

2. Dissertação Deliberativa: Exortação ou a dissuasão.

«É que, afinal, talvez tenha sido por isto que ele foi afastado por breve tempo: para que o recebas para sempre, não já como escravo, mas muito mais do que um escravo: como irmão querido; isto especialmente para mim, quanto mais para ti, que com ele estás relacionado tanto humanamente como no Senhor. Se, pois, me consideras em comunhão contigo, recebe-o como a mim próprio» (Flm 1,15-17).

3. Dissertação Forense: Acusação ou a defesa.

«E se ele te causou algum prejuízo ou alguma coisa te deve, põe isso na minha conta. Sou eu, Paulo, que o escrevo pela minha própria mão: serei eu a pagar. Isto, para não te dizer que me deves a tua própria pessoa» (Flm 1,18-19).

Despedida: v.23-25.

«Saúdam-te Epafras, meu companheiro de prisão em Cristo Jesus, assim como Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus colaboradores. A graça do Senhor Jesus Cristo esteja convosco» (Flm 1,23-25).