5.31.2011

Entre Jerusalém e Antioquia: a carta aos gálatas.

O primeiro formato do cristianismo primitivo desenvolvia-se em torno de dois pólos: o primeiro pólo é Jerusalém e o segundo pólo é Antioquia.
A crise de Antioquia causa um impacto em Paulo que podemos comparar ao acontecimento de Damasco. Com a crise em Antioquia, Paulo decide deixar a comunidade. O que era mais natural é que Paulo fosse para Éfeso. Estranhamente Paulo decide ir mais para oriente, para a região do norte. E a carta aos gálatas, diz que foi o efeito de uma doença que fez Paulo parar na Galácia, onde teve um grande acolhimento por parte dos gálatas (Gl 4, 8-15). Depois de Antioquia, Paulo chega a esta admirável mundo novo, onde terá passado cerca de 1 ano a 1 ano e meio.

Na carta aos gálatas, Paulo vai abordar primeiramente a crise de Antioquia. Paulo começou por estar radicado na comunidade de Antioquia, possivelmente porque ele terá pensado que Antioquia era a sua plataforma de apoio.
Ora, Tiago defendia que um gentio tinha de se tornar judeu para depois se tornar cristão. Nós hoje não conseguíamos pensar o que seria do cristianismo se se mantivesse ligado ao judaísmo. Mas de certa forma é preciso uma iniciação ao judaísmo para entendermos o cristianismo. E a grande questão é sempre acerca do procedimento: como fazer? O conflito faz parte da construção da Igreja, nesta complementaridade de visões. O cristianismo não é nem de Jerusalém nem de Roma, mas entre Jerusalém e Roma. Para Paulo, o elemento fundamental para se ser cristão, era a fé em Jesus no baptismo: todos sois um só em Cristo. Para Tiago, não basta a fé e o baptismo, era necessário uma iniciação ao judaísmo, viessem os cristãos de onde viessem.
Em Antioquia, existia uma espécie de laboratório do cristianismo. E ao contrário de Jerusalém, em Antioquia existiam as comunidades mistas, e os pagãos não se tinham de circuncidar para ser cristãos. Então, Antioquia é o laboratório daquilo que Paulo vai construir pelo mundo fora. Antioquia é a Jerusalém do cristianismo primitivo. Não é por acaso que foi em Antioquia que pela primeira vez os cristãos receberam o nome de cristãos.
Até Pedro apareceu na comunidade de Antioquia (Gl 2, 11). Porque é que isto aconteceu? Por ventura por curiosidade. No entanto, quando chegam os judaizantes, Pedro recua no diálogo com os gentios e afasta-se dos gentios para estar com os judeus, e este facto leva a que Paulo chame Pedro atenção: «Se tu, sendo judeu, vives segundo os costumes gentios e não judaicos, como te atreves a forçar os gentios a viver como judeus?» Paulo era um defensor da assimilação, mas outros defendiam a diferenciação. Qual o caminho a seguir? O acontecimento de Damasco é de tal forma marcante para Paulo que não vive de concessões. Paulo via o futuro do cristianismo completamente fora de Jerusalém. Paulo, no fundamental, é radical.
Que terá acontecido nesta crise de Antioquia? Talvez alguns gentios se tenham judaizado, e outros tenham rejeitado os judeus, sentindo-se rejeitados por eles.
Os Actos dos Apóstolos nunca dizem que Paulo é apóstolo, mas que é um delegado dos apóstolos. Então quando sai em ruptura com Pedro, qual é o lugar de Paulo? Quem lhe confere a missão se Paulo está sozinho? É nesse sentido que é bom vermos o início da carta aos gálatas: «Paulo, apóstolo - não da parte dos homens, nem por meio de homem algum, mas por meio de Jesus Cristo e de Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos» (Gl 1, 1). Paulo em Antioquia já era original, mas mesmo agora, só ele segue a opção de fazer valer o seu vinculo a Jesus. Paulo passa a fazer valer a sua própria acção. Os resultados da acção de Paulo são infinitamente maiores do que as possibilidades humanas da sua acção.

A comissão da Igreja de Antioquia chega, por fim, à Galácia e traz duas questões de fundo: mostrar que Paulo actua separado, desligado da comunhão com os apóstolos, não se podendo dar a autoridade a Paulo que se dá à Igreja-mãe de Jerusalém; e depois, a comissão pretende completar, mas verdadeiramente corrigir a evangelização de Paulo. Paulo evangeliza a partir de Cristo, mas a comissão de certa forma pretende começar pelo Antigo Testamento, começando com Abraão. A comissão confirmava que Jesus era o Messias, mas Jesus tinha inaugurado uma nova era, prometida a Abraão.
No entanto, a comunidade terá exigido ouvir Paulo. E então, há que entender a carta aos gálatas como uma resposta que em certa medida é dada mais aos antioquenos que estão a perturbar os gálatas, do que propriamente aos gálatas. Portanto, esta carta é uma carta de auto-defesa em que Paulo responde às questões levantadas pela comissão na comunidade dos gálatas: a desautorização de Paulo à igreja de Jerusalém e o retorno à lei judaica.
O que é um cristão? No fundo, as cartas de Paulo são um discurso sobre a identidade cristã. Paulo é aquele que leva mais longe o tema da identidade cristã. Para Paulo, o cristianismo tem de soltar a sua amarra judaica. Ora, não é um cristianismo contra o judaísmo, mas é dar espaço para que o cristianismo seja o que ele é. Há umas teses que dizem que Paulo é o inventor do cristianismo. Em Gl 2, 15-21, Paulo exige um novo espaço para a identidade cristã.

17 de Maio de 2011

2 comentários:

  1. Salve Maria!
    Desejo saber se Paulo escreveu a Carta aos Gálatas, estando em Éfeso e, antes mesmo de escrever aos Coríntios e aos Romanos.

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  2. Ainda tratando sobre a minha pergunta anterior, Arbiol (2018, pags. 59 e 60), apresenta uma Cronologia que versa a Carta aos Gálatas, durante a segunda viagem, em 52 (d.C.), mas escreve na região da Galácia.
    Segundo Machado (2021, pag. 7): "Se Paulo visitou a Galácia somente na sua segunda viagem missionária, isso implica que a carta não pode ter sido escrita antes de 53 d.C." e conclui: "A semelhança temática com Rm tem levado estudiosos a considerar que Paulo escreveu pouco antes ou durante o período em que escreveu esse texto" (Romano, anotação minha). Finalizou: "Isso significa que o limite máximo seria 57 d.C.

    Há outras especificações, mas não em 52 d.C. Como este site trata de Arbiol e eu possuo o Livro Paulo na Origem do Cristianismo, achei por bem, questionar para aprender.
    UM abraço.

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