5.18.2011

Questões em debate sobre São Paulo.

Ao estudarmos as cartas de São Paulo, é importante termos a percepção de que não estamos a fazer um trabalho isolado. O que não falta são debates em torno de Paulo no século XX. Já em 2 Pe 3, 15-16 vemos que já há uma referência às cartas de Paulo. Mas se quiséssemos sintetizar o que é o debate moderno em torno de Paulo, vemos coisas contrastadas. Deissmann (1909) considera que Paulo é o representante de uma teologia pouco sistemática, de uma teologia ocasional e espontânea. Baur diz que Paulo fermentou a sua teologia num ambiente pagão sendo o autor de um cristianismo filosófico, muito bem sistemática. Estes dois extremos em relação a Paulo são bastante frequentes.
Durante séculos vigora uma tese clássica acerca de Paulo. Esta tese procura no meio da diversidade encontrar pontos firmes na abordagem de Paulo. Um dos pontos firmes é a justificação. Paulo vem anunciar uma salvação pela graça; uma salvação que é fruto da oferta livre de Deus. Não podemos ter dúvidas que o marco da originalidade de Paulo é o afastamento da Lei e o marco da salvação que nos vem de Deus pela graça. Mesmo em debates contemporâneos este ponto está sempre salvaguardado.
No debate que aconteceu entre dois gigantes da teologia moderna: Bultmann e Käsemann, ambos concordavam que o núcleo do pensamento de Paulo era a justificação pela fé. Por outro lado, Bultmann considerava que a categoria de Justiça era uma categoria relacional em Paulo. Não tem a ver com a abolição do pecado ou pelo facto de eu ser justo, mas com a capacidade de Deus relacionar-se connosco. A justiça em São Paulo não é uma qualidade ética ou moral, mas relacional, e esta possibilidade da relação só Deus me dá. Käsemann diz que esta reflexão tão lata de Bultmann quase que faz esquecer o papel do indivíduo.
Mas até aqui a teologia de Paulo era vista como uma herdeira da apocalíptica. A par de Bultmann e Käsemann havia autores como Stendahal, que vem dizer que quando se fala de justificação pela fé, Paulo só pensa na estratégia de incluir na comunidade crente os cristãos vindos do paganismo. Então, o pensamento de Paulo é estratégico.
Em 1977, surge Sanders e este é um ano marcante para os estudos paulinos. Até 77 temos a perspectiva clássica; após 77 temos a nova perspectiva. Todos achavam que havia um centro em Paulo que é a justificação pela fé. Agora surge uma nova perspectiva, o que é que Sanders disse para a mudança? Sanders organiza o pensamento judaico acerca da Lei em dois momentos: momento do ingresso e o da permanência. E em vez de falar da Lei, Sanders fala em nomismo da Aliança, porque há a entrada numa Aliança, mais do que uma Lei. O momento do ingresso lembra que ninguém entra na Aliança por mérito próprio mas porque Deus o chama a entrar nela. O momento da permanência, este sim depende do mérito próprio. Quando olhamos para as cartas paulinas pensamos: o que é que ele está a combater? Mas Sanders diz que o judaísmo não é o triunfo da Lei, mas o judaísmo do nomismo da Aliança. A questão aqui presente é: que judaísmo temos diante dos nossos olhos? Sanders procura entender Paulo como alguém que substitui o nomismo da Aliança pelo nomismo cristológico pois, é Cristo que nos permite entrar na Aliança. Há um apelo muito forte à permanência, nas cartas de Paulo e o que muda é a porta de ingresso que passa a ser Cristo.

Tem sido feitos esforços para encontrar aquilo que pensamos ser uma metodologia, mesmo 2000 anos depois, ainda nos faltam chaves para entendermos Paulo. Ainda hoje estamos à procura, mas mesmo assim, conseguimos encontrar três tendências:
- Dunn diz que a teologia de Paulo passa por fazer um levantamento das suas marcas de identidade. Isto tem a ver com o contexto da construção das comunidades. Assim, a teologia de Paulo é fundamentalmente uma eclesiologia. Neste sentido, a teologia de Paulo permanece com uma tendência escatológica e apocalíptica.
- Esler defende que Paulo não pretende fazer uma reflexão teológica académica mas que ele quer encontrar ferramentas que possam ajudar a funcionar as suas comunidades. Assim, é preciso perceber a situação retórica da comunicação que cada texto representa. Os textos de Paulo são textos usados para convencer as suas comunidades de determinados aspectos. Assim, torna-se importante para Esler entender a dimensão sociológica das suas comunidades. Aristóteles diz que há 3 momentos na retórica: o ethos (o carácter do orador); o pathos (o efeito que o orador desperta no auditório) e o logos (o discurso propriamente dito). Os críticos desta tese acusam-na de ser redutora, sendo demasiado soteriológica.
- Jean-Nöel Aletti procura organizar cada uma das cartas no seu modelo retórico, mas o trabalho não acaba aqui. Diz que hoje uma tendência da exegese contemporânea é ela tornar-se predominantemente académica. Esta observação é interessante porque é uma realidade dos dias de hoje: raramente alguém escreve teologia fora do meio académico. É difícil alguém ser especialista de Paulo, onde apenas se pode ser especialista de um aspecto de Paulo. Então é difícil haver uma visão de conjunto de Paulo e até as próprias sínteses são mal vistas. Hoje o tipo de abordagem de Paulo é menos confessional, onde Jean-Nöel procurou afirmar que antigamente os pensamentos variavam entre católicos, protestantes e calvinistas.

19 de Abril de 2011

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