5.04.2011

Será o Paulo dos Actos "histórico"?

Estamos já habituados a um certo discurso sobre S. Paulo que afirma que o Apóstolo só é verdadeiramente retratado nas suas cartas (pelo menos naquelas consideradas autênticas), enquanto que o livro dos Actos dos Apóstolos apresenta um personagem fictício, construído pelo narrador. Não querendo aqui entrar em polémica sobre a verdade ou inverdade dos vários “retratos” paulinos no NT, parece-me interessante apresentar um ponto de vista que, sem negar as grandes diferenças entre as Cartas e os Actos, lança uma perspectiva que merece ser analisada. Mikeal C. Parsons, na obra Luke: Storyteller, Interpreter, Evangelist, pergunta sobre aquilo que cristãos já familiarizados com as cartas veriam na história lucana de Paulo. Na sua opinião, reconheceriam essencialmente o mesmo personagem, na medida em que aquelas forneceriam o “background” para a teologia de Lucas. Os Actos, expandindo algumas das referências crípticas de Paulo, demonstram que este é precisamente o que reclama para si em 1Cor 15,8-11: «Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto. É que eu sou o menor dos apóstolos, nem sou digno de ser chamado Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou e a graça que me foi concedida, não foi estéril. Pelo contrário, tenho trabalhado mais do que todos eles: não eu, mas a graça de Deus que está comigo. Portanto, tanto eu como eles, assim é que pregamos e assim também acreditastes.» É claro que, para chegar a esta conclusão, é necessário partir do pressuposto que Lucas conheceria o pensamento de Paulo, embora seja incerto qual o grau de familiaridade. Seria através de contacto pessoal? Ou de tradição oral? Ou ainda da leitura de alguma(s) carta(s) paulina(s)? Parsons é da opinião de que se deve excluir a segunda opção; de facto, há um paralelismo entre os Actos e as Epístolas no que concerne a convenções retóricas, ao papel e função dos milagres no ministério paulino, à compreensão do apostolado e a elementos teológicos essenciais para limitar o conhecimento da figura de Paulo, por parte de Lucas, a uma amorfa tradição oral. Se tomarmos como certa a primeira opção (contacto pessoal), então a conclusão óbvia é que o relato lucano retrata o Paulo “histórico”. O autor não considera esta posição particularmente digna de objecção, mas também não a toma como necessária, isto porque os leitores de Actos provavelmente só conheciam Paulo através das suas cartas e, portanto, os paralelos a estabelecer situam-se apenas num nível literário. Assim, os leitores de Actos reconheceriam nesta narrativa o mesmo Paulo que conheciam através da sua epistolografia, num retrato fiável, embora enriquecido e alargado, precisamente porque não esperariam que esta narrativa desenvolvesse o ministério da escrita de Paulo, mas sim que expandisse o personagem a outros aspectos do seu ministério, como os discursos e milagres, ressaltando a sua semelhança com os outros apóstolos.

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