6.06.2011

A Carta aos Gálatas

CARTA AOS GALATAS

ANTECEDENTES
1. Paulo e os Gálatas
A intenção de Paulo ao deixar a Antioquia era a de dirigir-se a Éfeso, capital da província da romana da Ásia. No entanto, tal não aconteceu. Segundo os Actos dos Apóstolos (Act 16, 6) terá sido o próprio Espírito Santo que impediu Paulo de rumar até Éfeso. A partir da 2Cor 12, 7, percebemos que Paulo adoeceu. Terá-se tratado muito possivelmente de um ataque súbito, cuja natureza não se pode determinar. Ataque este que fez com que Paulo se desviasse para a Galácia, mais concretamente para Pessinunte (hoje, Balahisar) onde encontrou os Tolistobogi, a mais ocidental das tribos celtas que constituíam a Galácia étnica. Segundos os Escritores antigos tratava-se de homens de grandes estatura, musculados, de aspecto aterrador, geralmente relativamente comprido, bastante acolhedores, mas brigões. De facto, do ponto vista comum dos contemporâneos de Paulo, os Gálatas eram uns simplórios imprevisíveis, instintivamente generosos, ferozes e muito perigosos quando se zangavam, embora sem vigo e fáceis de enganar. Estas qualidades nunca foram erradicadas. Embora nunca tivessem sido helenizados, os Gálatas que viviam na cidade falariam grego, caso contrário Paulo não podia falar com eles.
Apesar de estar num mundo tão diferente do seu, Paulo foi muito bem acolhido pelos gálatas. É próprio Paulo quem diz isto em Gal 4, 14-15 (Embora o meu corpo fosse para vós uma provação, não reagistes com desprezo nem nojo. Pelo contrário: recebestes-me como um anjo de Deus, como a Cristo Jesus. Onde estava, pois, a vossa felicidade? Sim, disto eu sou testemunha a vosso favor: se tivesse sido possível, teríeis arrancado os vossos olhos para mos dar.)
O modo como Paulo transmitiu o Evangelho aos gálatas permanece um mistério, já que haveria pouca ou nenhuma base comum para trabalharem. No entanto, Paulo terá deixado uma impressão tão forte no gálatas, que passados seis anos não foi fácil, para uns emissários de Antioquia, convencerem os gálatas que a visão de Paulo acerca do Evangelho estava errada.
Uma das razões apontadas para o enraizamento dos gálatas no Evangelho é tempo que Paulo passou entre estes. Possivelmente dois anos, do Verão de 46 ao Verão de 48. Sendo que um ano é certo que Paulo terá passado entre os gálatas. Ademais, Pessinunte era um grande entreposto comercial, o maior da zona, ajuntando que albergava o templo das mães dos deuses, Agdístis/Cibele, a deidade suprema da Frígia, que tinha sido adoptada pelos gálatas. Duas razões que Paulo terá visto como vantagens para permanecer em Pessinunte, depois de recuperado da sua doença.
Note-se ainda, que Pessinunte era a única zona do mundo antigo em que uma deusa reinava sem competição (Atís, o deus masculino que estava associado a Agdístis/Cibele era seu servo e companheiro insignificante), o que como é obvio afectava o estatuto das mulheres na Frígia e, sem duvida, reforçou em Paulo o reconhecimento das mulheres cristãs, como totalmente iguais.
2. A Crise na Igreja da Galácia
O corte de Paulo com a Igreja de Antioquia em Act 15, 40, fez com que a Igreja de Antioquia, ou mais concretamente, alguns nesta, considerasse que Paulo não tivesse autoridade apostólica. Pois, inicialmente Paulo havia sido enviado em missão precisamente pela Igreja de Antioquia (Act 13, 1-3). Iniciou-se assim uma operação por parte da Igreja de Antioquia, com os judaizantes como executores, de recuperar as Igrejas formadas por Paulo. Para tal, os emissários de Antioquia punham em causa o evangelho anunciado por Paulo, pois veiculavam o cumprimento da Lei Judaica como condição para salvação, e degeneravam a credibilidade de Paulo. De facto, em algumas das comunidades formadas por Paulo, esta iniciativa teve grande impacto.
Não obstante os gálatas terem, tudo aponta, grande dificuldade em aceitar que pusessem em causa a imagem de Paulo, e terem provavelmente insistido para que Paulo fosse consultado, havia um ponto da mensagem dos antioquenos que exercia sobre eles uma grande atracção, a Lei. Pois, os gálatas não eram dados a grandes reflexões, e diante da oferta de um código de leis em que se prevê a vida toda e todos os actos do homem, ficariam interessados. Deve-se ter em conta que esta Lei lhe era apresentada junto com a confissão messiânica de Jesus.
A RESPOSTA DE PAULO
É fácil imaginar a surpresa de Paulo, quando soube que alguns dos seus convertidos se estavam a mostrar receptivos a um Evangelho que respeitava as observâncias da Lei. Na sua resposta transparece o seu desnorteamento (Gal 5, 7) e mesmo o seu desespero (Gal 4, 11), mas o sentimento dominante é, sem dúvida, a raiva contida. Paulo, sabia, no entanto, que a situação era séria demais para uma explosão da sua cólera. Compreendeu que tinha de dar uma resposta muito bem trabalhada, em cada detalhe, dos argumentos levantados contra si. Para mais, os intrusos ainda estavam na Galácia e, por isso, Paulo além de ter que mostrar que o seu Evangelho é que era o verdadeiro, tinha também de mostrar, que a perspectiva dos antioquenos acerca do Evangelho não estava tão bem fundamentada como eles imaginavam.
A carta aos Gálatas trata assim da crise da Antioquia e da relação da lei com a liberdade.
1. A crise de Antioquia, sob a perspectiva de Paulo
A delegação de Antioquia tinha cometido o erro táctico de insistir na dependência de Paulo a Jerusalém, que diziam eles ser a fonte do cristianismo antigo. Paulo, na sua carta aos Gálatas responde, documentando facilmente, como tinha passado pouco tempo em Jerusalém, como cristão. Como, após, a sua conversão só fora duas vezes a Jerusalém, e ambas de estadia curta. Sendo sempre nelas bem recebido por Cefas (Pedro), Tiago e João, considerados as pedras angulares da Igreja. Para mais, é na carta aos gálatas que se dá a mudança na forma como Paulo se apresenta. Paulo, passa a apresentar-se como apóstolo da parte de Jesus, e não da parte de nenhum homem (Gal 1, 1). Ajuntando que o Evangelho que transmitia fora-lhe dado por Jesus aquando da sua conversão (Gal 1, 11-12. 15). O que faz de Paulo uma testemunha do encontro com Cristo ressuscitado, tal como Pedro e Tiago.
2. A Lei e Graça
A Carta aos Gálatas mostra ainda Paulo a «interagir» com a delegação, aceitando os seus pontos de vista, mas «dando-lhes» a volta, para fundamentar a sua tese. Assim, Paulo aceita a figura de Abraão, proposta pelos antioquenos, mas mostra que este foi abençoado porque tinha aceitado a Palavra de Deus (Gn 15, 5). Ou seja, que foi este acto de fé que caracterizou a vida subsequente de Abraão. A fé era, portanto, fundamental e tudo mais era secundário e, em particular, a Lei, que foi dada 430 anos depois da promessa, à qual Abraão respondeu com a fé (Gal 3, 17).

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