6.05.2011

Filipenses - O caminho de Cristo

5Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus:
6Ele, que é de condição divina,
não considerou como uma usurpação ser igual a Deus;
7no entanto, esvaziou-se a si mesmo,
tomando a condição de servo.
Tornando-se semelhante aos homens
e sendo, ao manifestar-se, identificado como homem,
8rebaixou-se a si mesmo,
tornando-se obediente até à morte
e morte de cruz.
9Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo
e lhe concedeu o nome
que está acima de todo o nome,
10para que, ao nome de Jesus,
se dobrem todos os joelhos,
os dos seres que estão no céu,
na terra e debaixo da terra;
11e toda a língua proclame:
"Jesus Cristo é o Senhor!"
para glória de Deus Pai.(Fl. 2,5-11)

Desfolhando esta epístola de Paulo à comunidade de Filipos, encontramos no seu segundo capítulo um hino (cf. Fl 2,6-11). Trata-se de uma profissão de fé, onde o fundamental da cristologia está presente, sendo-nos dados os traços fundamentais da fé em Cristo.

  1. Elementos da leitura

Ao abrir este hino, Paulo exorta os destinatários desta carta a terem os mesmos sentimentos de Cristo, entrando num novo círculo de relações com Cristo e, por tanto, com Deus, possível pela fé e pelo baptismo (cf. Fl 2,5). Deste modo, Gnilka salienta que “estar em Cristo é a mais essencial determinação de que se é cristão” (Gnilka, p.39).

Jesus aparece na forma de Deus, existindo como Deus, sendo já pré-existente à encarnação. Mas, pelo seu abaixamento, o Verbo de Deus assume uma nova forma. Este seu auto-despojamento é motivado pela liberdade, ocorrendo o inesperado, o incompreensível, o indizível: Jesus deixa a sua condição divina e toma a condição de servo, de escravo. Este hino tenta então, logo à partida, expressar o inefável.

Desta noção de escravo sugere o seu oposto: a liberdade. A insegurança sentida leva o escravo a olha para o alto para o seu Senhor, para o Único, o Libre. A obediência a este Único é a grandeza mais poderosa do que qualquer outra obediência que o homem pode exercer livremente. (cf. Gnilka p.40)

Este esvaziamento divino leva Jesus à obediência à morte e morte de cruz. Quando este declive assume o seu ponto último, dá-se início a todo um caminho inverso. A morte de cruz é este momento kenosis, marcado pelo despojamento total, por uma morte miserável e maldita, em que se perde a sua dignidade aos olhos dos outros.

Por isso mesmo Deus o elevou e lhe deu um nome que está acima de todo o nome: Yahwe. Ao qual todo o joelho se dobra. É o momento em que todo o joelho se dobra, no céu e na terra. Não se trata apenas de reconhecer Jesus como o mais poderoso, mas sim, como aquele que é a resposta às perguntas que perturbam o homem. Este torna-se livre, este voltar a casa, é possível em Cristo. (cf. Gnilka p.41-42)

É aqui aquele que ajoelha confessa que “Jesus Cristo é o Senhor”. Trata-se de uma acentuação do Kyrios, a mais antiga confissão de fé cristã que traduzia o Adonai e encobria Yahwe. É a revelação e concretização da missão de Jesus expressa no étimo hebraico do seu nome: “salvar os outros povos”.

Este acontecimento salvífico termina na glória de Deus Pai. A comunidade sabe do Pai do Senhor Jesus Cristo e que, através destes mesmo Senhor, lhe deu o Deus Pai (cf. Rom 8,15)

  1. Autoria

Esta pedra preciosa incrustada na carta aos Filipenses, apesenta-nos sérias dificuldades de interpretação. Será esta uma composição pré-paulina, um hino que se cantava nas assembleias litúrgicas da comunidade? (cf. Gnilka, p.39) Ou será fruto da sua criatividade teológica e poética? E se é um hino, terá Paulo transcrito ipis verbis ou ter-lhe-á dado um cunho pessoal?


R. Bultmann fala de uma origem gnóstica deste hino, presente na figura mítica do Salvador que veio trazer a luz, mas esta transmissão não se faz em dor. No fim ele, o redentor redimido, regressa. Esta é também a posição de Friedrich, Käsemann e Bornakamm.

James Dumn diz que podemos ler no hino a narrativa de Adão. Em Romanos Paulo usa as duas tipologias: a adámica e a crística. Aqui estaria esboçadas as duas linhas. Cristo salva Adão fazendo o percurso inverso. Paulo transcende o modelo de Moisés. Há em Paulo o esforço de recuar, falando de Abraão (fé que justifica) ou de Adão (uso das tipologias anteriores - Adão, Abraão e Jesus; Moisés fica num silêncio). Paulo está a fazer uma recriação, a distanciar-se. Temos aqui Cristo como o novo Adão. Jesus sobe porque aceita cair e Adão desce porque quer subir. Quando cristo é elevando, não é o pela sua grandeza, mas pelo amor do Pai, porque o plano de Jesus é um plano kenótico.

Aproximação deste hino aos ambientes joaninos. Há um mistério em Actos de não nas comunidade joaninas. Cf. Jo 13,13-17 (lava-pés). Há uma similitude. Jesus faz-se servo, em todos os outros passos, Jesus é o mestre. Em João temos esta dupla condição. Vejamos o prólogo onde fala desta preexistência. Este esquema de João é o que encontramos no hino cristológico.

Outros autores discutem ainda o problema histórico das fontes utilizadas pelo autor do hino cristológico. Cerfaux aponta o servo sofredor de Yahwé, dos poemas do livro de Isaías. Outros, como Feuillet, falam de uma especulação teológica a respeito do segundo Adão, antitético ao protagonista do sono prometéico de autodivinização. Pensadores, como Lohmeyer, aponta para o filho do homem de origem celeste de Dn 7. Há ainda quem fale (por exemplo, Feuillet) da sabedoria pré-existente de Deus dos livros sapiênciais, presente na criação do mundo e que veio a habitar entre os homens. E por outro fim, há quem levante a hipótese de uma antropologia particular do livro da Sabedoria (cf. a posição de Murphy O’Connor).


(Como fontes bibliográficas foram utilizados os apontamentos da unidade curricular de Escritos paulinos; BECKER, Jürgen - Pablo: el apostol de los paganos. Sigueme, Salamanca, 1996; O’CONNER, Jerome Murphy - Paulo, um homem inquieto, um apóstolo insuperável. Paulinas - Prior Velho, 2008; BARBAGLIO, Giuseppe - As cartas de Paulo. Edições Loyola, São Paulo, 1991, vol II)

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