6.03.2011

São Paulo sob o olhar de Bento XVI (no encerramento do Ano Paulino)

O ano comemorativo do nascimento de São Paulo conclui-se. Durante estes meses, muitas pessoas seguiram os caminhos do Apóstolo — os exteriores e mais ainda os interiores, que ele percorreu durante a sua vida: o caminho de Damasco rumo ao encontro com o Ressuscitado; os caminhos no mundo mediterrâneo, que ele atravessou com a tocha do Evangelho, encontrando contradição e adesão, até ao martírio, pelo que pertence para sempre à Igreja de Roma. A ela dirigiu também a sua Carta maior e mais importante. O Ano paulino conclui-se, mas pôr-se a caminho juntamente com Paulo, com ele e graças a ele chegar a conhecer Jesus e, como ele, ser iluminados e transformados pelo Evangelho — isto sempre fará parte da existência cristã. E sempre, indo além do ambiente dos crentes, ele permanece o "mestre das nações", que deseja levar a mensagem do Ressuscitado a todos os homens, porque Cristo os conheceu e amou a todos; morreu e ressuscitou por todos eles.

Faz parte da estrutura das Cartas de Paulo — sempre em referência ao lugar e à situação particular — a explicação do mistério de Cristo e o ensinamento da fé. Numa segunda parte, segue-se a aplicação à nossa vida: o que deriva desta fé? Como plasma ela a nossa existência no dia-a-dia? Na Carta aos Romanos, esta segunda parte começa com o capítulo 12, em cujos primeiros dois versículos o Apóstolo resume imediatamente o núcleo essencial da existência cristã. Que nos diz São Paulo nesse trecho? Em primeiro lugar afirma, como algo fundamental, que com Cristo teve início um novo modo de venerar a Deus — um novo culto. Ele consiste no facto de que o homem vivo se torna ele mesmo adoração, "sacrifício" já no seu próprio corpo. Já não se oferecem a Deus coisas. É a nossa própria existência que deve tornar-se louvor a Deus. Mas como acontece isto? A resposta é-nos dada no segundo versículo: "Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação do vosso modo de pensar, a fim de conhecerdes a vontade de Deus..." (12, 2). As duas palavras decisivas deste versículo são: "transformar" e "renovar". Devemos tornar-nos homens novos, transformados num novo modo de existência. Paulo diz-nos: o mundo não pode ser renovado sem homens novos. Somente se houver homens novos, haverá também um mundo novo, um mundo renovado e melhor. No início está a renovação do homem. Isto vale também para cada indivíduo. Só se nós mesmos nos renovarmos, o mundo será novo. O Apóstolo exorta-nos a um não-conformismo. Na nossa Carta diz-se: não vos submetais ao esquema da época actual. O "não" do Apóstolo é claro e também convincente para quem observa o "esquema" do nosso mundo. Mas tornar-se novos — como se pode fazer isto? Somos verdadeiramente capazes? Com a palavra acerca do tornar-se novos, Paulo alude à sua própria conversão: ao seu encontro com Cristo ressuscitado, encontro de que na segunda Carta aos Coríntios diz: "Se alguém está em Cristo, é uma nova criação: passou o que era velho; eis que tudo se fez novo" (5, 17). Ele tornou-se novo, outra pessoa, porque já não vive para si mesmo e em virtude de si próprio, mas para e em Cristo. Porém, ao longo dos anos viu também que este processo de renovação e de transformação continua durante a vida inteira. Tornar-nos-emos novos, se nos deixarmos arrebatar e plasmar pelo Homem novo, Jesus Cristo. Ele é o Homem novo por excelência.
Paulo torna ainda mais claro este processo de "nova fusão", dizendo que nos tornamos novos se transformarmos o nosso modo de pensar. Aquilo que traduzimos como "modo de pensar" é o termo grego "nous". Pode ser traduzida com "espírito", "sentimentos", "razão" e, precisamente, também com "modo de pensar". A nossa razão deve renovar-se. O nosso modo de ver o mundo, de compreender a realidade — todo o nosso pensar deve transformar-se a partir do seu fundamento. O pensamento do homem velho, o modo de pensar comum geralmente está orientado para a posse, o bem-estar, a influência, o sucesso, a fama e assim por diante. Temos que aprender a pensar de maneira mais profunda. Que significa isto? Na segunda parte da frase, São Paulo diz o que isto significa: é necessário aprender a compreender a vontade de Deus, de tal maneira que ela plasme a nossa vontade. A fim de que nós mesmos desejemos o que Deus quer, para que reconheçamos que o que Deus quer é a beleza e a bondade. Deus deve entrar no horizonte do nosso pensamento: o que Ele quer e o modo segundo o qual Ele idealizou o mundo e a mim mesmo.

No capítulo 4 da Carta aos Efésios, o Apóstolo diz-nos que com Cristo temos que atingir a idade adulta, uma fé madura. Não podemos mais permanecer como "meninos inconstantes, levados por qualquer vento de doutrina..." (4, 14). Paulo deseja que os cristãos tenham uma fé "responsável", uma "fé adulta". Na realidade, é necessária coragem para aderir à fé da Igreja, não obstante ela contradiga o "esquema" do mundo contemporâneo. Assim faz parte da fé adulta, por exemplo, empenhar-se pela inviolabilidade da vida humana desde o primeiro momento, opondo-se assim de forma radical ao princípio da violência, precisamente também na defesa das criaturas humanas mais inermes. Faz parte da fé adulta reconhecer o matrimónio entre um homem e uma mulher para toda a vida, como ordenamento do Criador, restabelecido novamente por Cristo. A fé adulta não se deixa transportar aqui e ali por qualquer corrente. No entanto, também aqui Paulo não se detém na negação, mas leva-nos ao grande "sim". Descreve a fé madura, verdadeiramente adulta, de maneira positiva com a expressão: "agir segundo a verdade na caridade" (cf. Ef 4, 15). O novo modo de pensar, que nos foi dado pela fé, verifica-se antes de tudo em relação à verdade. O poder do mal é a mentira. O poder da fé, o poder de Deus é a verdade. Olhando para Cristo, reconhecemos mais uma coisa: verdade e caridade são inseparáveis. Por isso, para os cristãos verdade e caridade caminham juntas. A caridade é a prova da verdade. Quem, juntamente com Cristo, serve a verdade na caridade, contribui para o verdadeiro progresso do mundo. Onde aumenta a presença de Cristo, lá está o verdadeiro progresso do mundo. Lá o homem torna-se novo e, assim, torna-se novo o mundo.

No capítulo 3 da Carta aos Efésios ele fala-nos da necessidade de ser "fortalecidos no homem interior" (cf. 3, 16). Assim, retoma um tema que antes, numa situação de tribulação, já tinha abordado na segunda Carta aos Coríntios: "Ainda que em nós se destrua o homem exterior, contudo o homem interior renova-se diariamente" (4, 16). O vazio interior — a debilidade do homem interior — é um dos grandes problemas do nosso tempo. Deve ser revigorada a interioridade a perceptividade do coração; a capacidade de ver e compreender o mundo e o homem a partir de dentro, com o coração. Nós temos necessidade de uma razão iluminada pelo coração, para aprender a agir segundo a verdade na caridade. Todavia, isto não se realiza sem uma relação íntima com Deus, sem a vida de oração. Temos necessidade do encontro com Deus, que nos é concedido nos Sacramentos. E não podemos falar a Deus na oração, se não deixarmos que Ele mesmo fale primeiro, se não O ouvirmos na palavra que Ele nos comunicou. O amor vê mais longe que a simples razão. E só na comunhão com todos os santos, ou seja, na grande comunidade de todos os crentes — e não contra ela ou sem ela — podemos conhecer a vastidão do mistério de Cristo. O mistério de Cristo tem uma vastidão cósmica: Ele não pertence apenas a um determinado grupo. Cristo crucificado abraçou o universo inteiro, em todas as suas dimensões. Ele toma o mundo nas suas mãos e eleva-o rumo a Deus. Ele abraça sempre o universo — todos nós.

3 de Junho de 2011

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