6.02.2011

A carta aos Filipenses e a sua organização

A carta aos filipenses tem 4 capitulos. É uma carta marcadamente pessoal. Não tem a pretensão de ser uma tratado teológico. E há detalhes novos na teologia, para o edifício teológico, que Paulo construiu. É a primeira vez que se fala de bispos e diáconos.

Estes quatro capítulos da carta aos filipenses tem uma organização muito clara. Paulo mostra uma certa afeição pela comunidade.

Fl 1, 3-26: Paulo lembra que eles estão em comunhão com Paulo. Paulo fala da comunidade de Filipos como cooperadores. Primeiramente vemos o afecto de Paulo pela comunidade, e depois há a situação actual de Paulo: a prisão numa cidade onde haja um pretório.

«Para mim morrer é lucro e viver é Cristo» - isto é longamente tematizado por Paulo nesta sua carta.

Fl 1, 27 – 2, 18: Exorta os cristãos a viver uma vida em Cristo. Para Paulo o evangelho não é o texto mas a experiencia. O evangelho é um projecto. Para a autobiografia de Paulo é essencial a carta aos gálatas, mas também essencial a carta aos filipenses. Paulo fala longamente na primeira pessoa. É uma carta muito escrita a partir da vivência e do testemunho que Paulo pode dar.

Fl 2, 19 – 3, 1: Paulo faz elogio de dois companheiros, que mostra como Paulo trabalha em rede. Paulo não está sozinho. Paulo termina falando da alegria. Mas em 3, 2 Paulo muda de tom. De modo que alguns autores que Paulo não pode ter escrito esta parte no mesmo momento de 3, 1.

Fl 3, 2-21: Temos a solicitude apostólica que liga Paulo a Filipos. Este capitulo explica-se se percebermos aquilo que dissemos a propósito dos gálatas. Ou seja, Paulo prepara a comunidade de Filipos para aqueles que no seu encalce procuram desautorizar Paulo como fizeram em Galatas. Paulo escreve este 3 capitulo em defesa de si mesmo. Nesta parte vemos a aplicação do hino cristologico falado em fl 2, 6-11 na própria vida de Paulo.

Fl 4, 1-23: Paulo faz uma alusão à unidade da Igreja, agradecendo a generosidade dos filipenses, e conclui com uma doxologia.

A comunidade de Filipos e as Mulheres

A cidade de Filipos era uma cidade estratégica pois estava perto da via que ligava o centro do império a oeste. Era uma cidade de antigos militares romanos.
Na construção da comunidade de Filipos nós encontramos uma diversidade linguística. Paulo procura uma sinagoga em Filipos mas não encontra, nem mesmo um lugar na cidade onde os judeus se reunissem. Paulo afasta-se da cidade e descobre que junto ao rio há umas mulheres que se reúnem para uma pratica da oração e dessa forma entende-se o facto de não haver sinagoga. Nesta cidade as mulheres vão ter um papel importante. Para muitos autores, Filipos foi a terra onde Paulo conseguiu que vivessem melhor a dimensão igualitária entre homem e mulher. E não é por acaso que Filipos é a cidade mais activa na sustentação de Paulo, dado que naquela cidade o dinheiro não era problema.
No livro dos actos podemos ver a conversão de uma dessas mulheres: Act 16, 11-15. Ela é baptizada e a partir da casa de uma mulher (Lidia) a evangelização aconteceu.

A alegria em São Paulo.

A imagem pública que o cristianismo tem não é propriamente a religião da alegria. Às vezes surge como uma religião torturada. No entanto, Paulo é quem mais fala da alegria. A palavra «kara» aparece 326 vezes no Novo Testamento e dessas vezes mais de 1/3 aparece nos escritos de Paulo: 131 vezes.

O primeiro aspecto desta teologia da alegria que encontramos em Paulo é a relação que Paulo estabelece entre a alegria e o mistério de Cristo. Nós devemos a nossa alegria à ressurreição de Cristo. É aqui que se encontra a fonte da nossa alegria. Ora, Paulo louva os Tessalonicenses porque no meio das tribulações experimenta a alegria do Espírito Santo no acolhimento da Palavra. É uma palavra acerca de Jesus e comunicação do próprio Jesus. Não é apenas um falar acerca de alguém, mas é uma palavra que tem um carácter formativo. Neste sentido, a alegria é sempre a alegria do encontro com o ressuscitado.
Na carta de São Paulo aos Filipenses, em Fl 1, 18-20, a alegria de Paulo é que Cristo seja anunciado. Este Cristo que é anunciado é o Cristo ressuscitado. Contudo, a teologia da alegria liga-se muito naturalmente a uma teologia da fragilidade. É na densidade mais contraditória, amassada no sofrimento, que nós podemos experimentar a alegria. Lembramos a 2 Cor 13, 9, em que Paulo diz que nós alegramo-nos quando somos fracos. E é na mesma linha que Paulo diz que Cristo foi crucificado na sua fraqueza mas agora está vivo pelo poder de Deus.
Continuando na carta aos Filipenses, em Fl 4, 4, Paulo convida a alegrarmo-nos no Senhor. Numa alegria que pressupõe que nos fixemos no Senhor. E é importante percebermos este paralelo com aquilo que Paulo diz antes em Fl 4, 2 sobre termos o mesmo pensamento no Senhor. Há um paralelo flagrante entre alegrar-se no Senhor e manter o mesmo pensamento no Senhor. Isto dá-nos a entender que a alegria converge-nos em Jesus. Na 2 Cor 2, 4, Paulo afirma estar cheio de consolação e de alegria. Reparem como numa vida atribulada, Paulo ainda é capaz de falar da alegria.

Um segundo aspecto que importa salientar, é que assim como a alegria em Paulo é cristológica, também é pneumatológica, porque o espírito que está presente na alegria é o espírito do ressuscitado. Então, a alegria é também a acção desencadeada pelo espírito nas condições actuais do cristão. Caminhar na alegria é deixar-se conduzir pelo Espírito Santo. Em Rm 14, 17, vemos que o reino de Deus é justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Portanto, o cristão tem o dever da alegria. Um santo triste é um triste santo.

Ora, temos a alegria no Senhor, a alegria no Espírito Santo, e por fim, resta falar da alegria na Igreja (o terceiro aspecto em Paulo). É na Igreja que Cristo se dá a ver. A alegria envolve a própria comunidade, e por isso Paulo diz muitas vezes: alegro-me convosco. Na 2 Cor 1, 24, Paulo afirma aos coríntios que somos colaboradores da vossa alegria. Qual é o papel do apóstolo? É acima de tudo, ser colaborador da alegria. A alegria é por isso uma arte que a comunidade cristã sabe fazer. A alegria é a acção da própria comunidade, como vemos em Fl 2,2. A comunidade cristã é capaz de completar a alegria e é também fonte da alegria.

Muitas vezes, a ideia que nos surge de Paulo é que ele é um pessimista ou acusado de um pessimismo em relação à existência humana. Mas esta ideia não tem objectividade. O homem, em Paulo, aparece equivocado na alegria. Quando Paulo diz em Fl 1, 18 que se alegra a mais e ainda mais se continuará a alegrar, este alegrar-se “ainda mais” implica o horizonte cristão. A «kara» tem a mesma raiz de «káris» que significa «graça». Nesse sentido a alegria fala-nos da possibilidade de vivermos alegremente nessa glória. E por isso, em Rm 15, 13 Paulo escreve: «que o Deus da esperança vos encha da alegria».

26 de Maio de 2011

6.01.2011

Carta aos Gálatas - Teologia

A discussão acerca do anúncio do Evangelho também aos pagãos, considerados imundos pela Lei (Act 10-11; 15), foi o primeiro problema que surgiu após a Ressurreição de Cristo e do Pentecostes. Depois, levantou-se o problema de se os cristãos, vindos do paganismo, estavam também sujeitos à Lei mosaica. Divergiam as opiniões. Paulo, apesar de ser judeu da seita dos fariseus (os mais zelosos da Lei), tornou-se o campeão da liberdade cristã ou da não sujeição à Lei, interpretada à maneira dos fariseus. Isso mereceu-lhe a hostilidade, não só dos judeus, mas também dos cristãos de origem judaica. O chamado concílio de Jerusalém (Act 15) não conseguira acalmar completamente os ânimos. Cristãos de origem judaica os judaizantes puseram em causa a validade e legitimidade do anúncio evangélico feito por Paulo, negando-lhe a dignidade apostólica e acusando-o de pregar um Evangelho mutilado e de anunciar um cristianismo diferente do dos outros Apóstolos de Jerusalém. Por isso, tentavam submeter os recém-convertidos ao jugo da Lei.

Foi o que aconteceu nas igrejas paulinas da Galácia. Nas pegadas do Apóstolo, os judaizantes atraíram os gálatas para a sua causa. Paulo escreveu-lhes, então, esta Carta polémica, em defesa da sua dignidade apostólica e da ortodoxia da sua doutrina, reconhecida, sobretudo, pelas colunas da Igreja-mãe de Jerusalém; expõe aqui o seu pensamento sobre as relações entre a Lei de Moisés e Cristo. Este último ponto será amplamente tratado na Carta aos Romanos, cronologicamente posterior à Carta aos Gálatas.

Para o Apóstolo, a Lei de Moisés foi sobretudo «um pedagogo», cuja missão era conduzir a Cristo (3, 24). Se os cristãos continuassem a observar a Lei como necessária para a salvação, então a obra de Cristo teria sido inútil: a salvação não nos viria por Ele, mas pela Lei. Por isso, o que nos justifica não são as obras da Lei, mas a fé em Cristo.

Partindo deste princípio, Paulo vai ainda mais longe. Esforça-se por provar aos seus adversários que a Lei nunca justificou ninguém. O próprio Abraão não foi justificado pela observância da Lei, mas pela fé e pela Promessa.

A Lei não fez mais do que manifestar o pecado, ao indicar um caminho, sem dar forças para o seguir. Só a Boa-Nova de Cristo, que é poder de Deus para todo o que crê, justifica, porque, indicando o caminho, dá também a força sobrenatural para o seguir. O grupo dos judaizantes quase desapareceu com a queda de Jerusalém, por volta do ano 70.

Carta aos Gálatas - Divisão e Conteúdo

O conteúdo desta Carta pode resumir-se no seguinte:

Introdução: 1,1-10;

I. Origem divina do Evangelho: 1,11-2,21;

II. O Evangelho faz-nos filhos de Deus: 3,1-4,7;

III. O Evangelho faz-nos livres: 4,8-5,12;

IV. Vida cristã, caminho de liberdade: 5,13-6,10;

Conclusão: 6,11-18.

Carta aos Gálatas - Contexto

Na altura, nem sempre havia uma distinção clara entre judaísmo e cristianismo. Pregadores judeus, que seguiram os passos de Paulo, vieram anunciar a necessidade da circuncisão para a salvação. É que, no início da Igreja, o mais sério problema que se apresentou à consciência cristã foi o da relação da “nova doutrina” de Cristo com a Lei de Moisés, ou melhor, com o Antigo Testamento.

O Antigo Testamento, cujos cinco primeiros livros, ou Pentateuco, constituem a Lei de Moisés, ainda hoje é venerado pelos cristãos como Palavra de Deus; mas as suas prescrições sobre o culto, os alimentos, as doenças, deixaram de vigorar. Hoje, é claro que não estamos obrigados a tais prescrições; para os primeiros cristãos, porém, o assunto não era tão claro. Tratava-se de judeus convertidos, que continuavam a observar a Lei e a circuncidar-se. A Igreja nasceu no seio do Antigo Testamento.

Esta Carta pode considerar-se uma espécie de circular, apaixonada e polémica (5,12), dirigida às pequenas comunidades dispersas pelo imenso território da Galácia, que estavam em situação de crise de identidade cristã. Tratava-se da fidelidade ou infidelidade ao Evangelho, num momento em que o cristianismo corria perigo de se converter numa simples seita judaica.

Carta aos Gálatas - Data e Destinatários

A Carta aos Gálatas é uma das mais lidas e comentadas em todo o mundo cristão. E dos escritos paulinos foi dos mais explorados por alguns grupos ou Igrejas, sobretudo em dois momentos: o da polémica de Santo Agostinho com o herético Pelágio (séc. IV) e o dos Reformadores, no debate católico-protestante.
Quem são os Gálatas? No tempo do Novo Testamento, a Galácia era uma província romana da Ásia Menor, que abrangia os seguintes territórios: a Galácia propriamente dita, a Frígia, a Pisídia e a Licaónia. Galácia, nos Actos (Act 16,6; 18,23), distingue-se da Frígia.
As Igrejas da Galácia devem ter sido fundadas por ocasião da 1.ª viagem missionária de Paulo (Act 13,1-14,26). O Apóstolo dos gentios escreve a Carta aos Gálatas entre 55 e 57, a partir de Éfeso ou de Corinto, depois de 1 Ts e antes de Rm, Fl e Flm.